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A MGF em Portugal

À data, o primeiro e único estudo de prevalência da MGF em Portugal foi realizado em 2015, por uma equipa da Universidade Nova de Lisboa, FCSH. Os resultados apontaram para a presença, em Portugal, de cerca de 5.246 mulheres em idade fértil submetidas à prática, maioritariamente provenientes da Guiné-Bissau (90% a 91%), mas também de outros países como a Guiné-Conacri (3%) e Senegal (2%).

Mulheres provenientes de países praticantes residentes em Portugal e prevalência de MGF em Portugal, por distrito (N)

Distritos

Mulheres residentesPrevalência MGF/C
15-49 anos50+ anosTotal15-49 anos50+ anosTotal
Lisboa74941829932337048954599
Setúbal14883741862737182920
Faro4848056424339282
Porto31510542014750198
Aveiro2026626810133134
Coimbra12349172612485
Braga12632158581675
Leiria8038118411859
Santarém7345118362157
Madeira3654118220
Viseu332053161026
Açores2843214215
Castelo Branco23153811719
Beja1992811415
Évora198279413
Bragança1816349918
Viana do Castelo159248513
Vila Real156218311
Guarda15116718
Portalegre11718539
Total10617271813335524613306576

Fonte: Estudo CesNova, FCSH/UNL, 2015

O distrito de Lisboa concentra cerca de 70% das mulheres provenientes de países com MGF, ou seja, 10.212, com maior representatividade para a Guiné-Bissau (9.287), Senegal (306) e Guiné (156).

De referir que os distritos de Lisboa, Setúbal, Faro e Porto são os que apresentam um maior contingente de mulheres de países onde a prática é realizada, representando, no total, cerca de 91% das que residem em território nacional.

No estudo em referência, é apresentada uma estimativa dos tipos de corte mais predominantes em Portugal: os Tipos I e II (clitoridectomia e excisão) representarão cerca de 82% das MGF. 

O Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) realizou, em 2015 um estudo sobre a prevalência das meninas em risco, apresentando os seguintes resultados: 

  • em 2011 residiam em Portugal 5.835 raparigas provenientes de países com MGF (nascidas no país de origem ou em Portugal), em risco de serem submetidas à prática. 
  • Nos cenários estudados, no caso de risco elevado, 1.365 (23%) meninas estariam em risco, enquanto num cenário de baixo risco, seriam 269 (5%). 
  • Em termos de nacionalidades, a maioria serão nascidas ou com ascendência na Guiné-Bissau, mas também do Senegal, Guiné-Conacri, Nigéria entre outros países.

A Direção-Geral da Saúde, apresenta anualmente, por altura do Dia Internacional de Tolerância Zero à MGF (6 de fevereiro) os dados mais atualizados recolhidos na Plataforma de Dados em Saúde/Registo de Saúde Eletrónico – Portal do Profissional (RSE-PP), registos estes feitos por profissionais de saúde.

Importa sublinhar que a maior representatividade de pessoas da Guiné-Bissau nos resultados destes estudos se deve, apenas, ao facto de ser um país com maior número de pessoas migrantes a residir em Portugal, relativamente a outros países de origem, tais como o Senegal ou Guiné, onde a MGF tem uma prevalência maior.

Enquadramento legal

  • O crime de Mutilação Genital Feminina está previsto no art.º 144.º do Código Penal, com entrada em vigência no dia 4 de setembro de 2015.

A não retroatividade da lei penal faz com que os atos desta natureza praticados antes de 4 de setembro sejam punidos, mas ao abrigo do art.º 144.º do Código Penal, como ofensas à integridade física grave.

Art.º 144.º – A, do Código Penal

1. Quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa do sexo feminino através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou de qualquer outra prática lesiva do aparelho genital feminino, por razões não médicas é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos. 

2. Os atos preparatórios do crime previsto no número anterior são punidos com pena de prisão até 3 anos. 

Para além da prática em si, em conformidade com o número 2. do art.º 144.º A, são igualmente puníveis os atos preparatórios, ou seja, os que tenham como objetivo preparar ou facilitar a realização da prática.

  • A lei penal portuguesa pode ser aplicada mesmo que a prática da MGF tenha ocorrido fora do território português e independentemente da nacionalidade da vítima ou dos agentes do crime, nos termos dos arts. 5º e 6º, do CP. 

A aplicação da lei portuguesa apenas é possível quando os agentes do crime forem encontrados em Portugal, sendo estes a executante da prática executa, mas, também, os responsáveis pela criança, que com a permissão para a sua realização podem ser punidos como coautores ou cúmplices.

  • O crime de MGF tem natureza pública, pelo que qualquer pessoa o pode denunciar às autoridades, não sendo necessária a apresentação de queixa por parte da vítima. 

A denúncia torna-se obrigatória, nos termos do art. 242º do Código de Processo Penal, para as entidades policiais e para os funcionários. Estes últimos, na aceção do art. 386º, do Código Penal, incluem, por exemplo, professores e profissionais de saúde.

Artigo 386.º – Conceito de funcionário
1 – Para efeito da lei penal a expressão funcionário abrange:
a) O funcionário civil;
b) O agente administrativo; e
c) Os árbitros, jurados e peritos; e
d) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.

2 – Ao funcionário são equiparados os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas públicas, nacionalizadas, de capitais públicos ou com participação maioritária de capital público e ainda de empresas concessionárias de serviços públicos.

(…)

O conhecimento da existência de factos que possam indiciar a prática da MGF é suficiente para se agir. A denúncia pode ser apresentada em qualquer esquadra de polícia, posto da GNR ou em qualquer tribunal, preferencialmente situado na área de residência da vítima e/ou dos suspeitos.

  • Nos termos dos arts. 38º e 149º, do Código Penal, o consentimento por parte da vítima, mesmo com idade superior a 16 anos, não exclui a ilicitude do facto. Tendo em conta os meios empregues e a amplitude da ofensa à integridade física, esta não é, no caso, considerada livremente disponível.

Muito embora o prazo de prescrição ser de 10 anos a contar da prática do crime, atualmente, se os factos tiverem sido praticados depois de 4 de setembro de 2015, desde que a vítima seja menor de idade, o procedimento criminal nunca se extingue por efeito da prescrição, antes de a ofendida perfazer 23 anos.  

  • Quando as vítimas são crianças ou jovens até aos 18 anos, a comunicação deve também ser feita à CPCJ da área da residência da menor.

Esta comunicação deve, igualmente, ser feita se existirem fatores que indiciem haver perigo de uma criança ou jovem vir a ser submetida a MGF.

A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº 147/99, de 1 de setembro), confere às CPCJ a atribuição de “prevenir ou por termo a situações suscetíveis de afetar a sua (das crianças) segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento integral” (n.º 1 do art.º 12.º).